Constança, a musa de Alphonsus de Guimaraens

       Constança da Silva Guimarães, filha mais nova do escritor Bernardo Guimarães, nasceu em Ouro Preto, MG, em 11 de novembro de 1871. Faleceu na mesma cidade em 28 de dezembro de 1888, logo após completar 17 anos de idade, vítima da tuberculose.

        Nos dois últimos anos de vida, Constança teve um relacionamento amoroso com um primo, Afonso Henriques da Costa Guimarães, que viria se tornar o conhecido poeta simbolista Alphonsus de Guimaraens (Afonso Henriques só adotará esse pseudônimo literário a partir de 1894). A prematura morte de Constança irá abrir uma ferida profunda na alma do jovem poeta. No dizer de Angelo Oswaldo de Araújo Santos, “na poesia brasileira não há outro idílio, nem outro drama, comparáveis a essa brutal separação e à sagração da amada morta como musa”. Na realidade, a obra de Alphonsus de Guimaraens ficará por sempre marcada pela presença dessa eterna musa, principalmente nos livros Dona Mística, Câmara Ardente (ambos publicados em 1899) e Pastoral aos Crentes do Amor e da Morte, publicado postumamente em 1923 (Alphonsus morrerá em 1921, dias antes de completar 51 anos de idade).

          A partir da precoce morte de Constança, poder-se-ia imaginar que o sentimento amoroso que Alphonsus devotava à prima se evanesceria de modo paulatino, deixando mais à frente apenas alguma mágoa em esparsas e longínquas recordações. O que aconteceu foi justo o contrário. Uma paixão considerada por todos os familiares e amigos como pertencente às ilusões da adolescência, crescerá e se transmudará em um sólido amor espiritualizado em Alphonsus de Guimaraens. E é bem certo que essa construção platônico-literária em Alphonsus sempre teve por base a intensa lembrança da inteligência e sensibilidade daquela moça formosa e de opiniões próprias, personalidade forte que marcou de modo definitivo o espírito do poeta. Desse modo, a ideia de haver perdido um tesouro insubstituível acabou por ser o solo propício para que se tecesse a idealização. O poeta exprimirá em um soneto do livro Dona Mística essa sublimação, essa ‘desmaterialização’ da morta amada:

Hei de sempre adorá-la, hei de querê-la,
E não por ser mulher, mas como imagem:
Sempre a seus pés, sem me cansar de vê-la,
Como quem segue atrás de uma miragem.

           E mais de vinte anos após o falecimento de Constança, o poeta ainda escreveria poemas de rara beleza dedicados à memória da noiva adolescente (pois Alphonsus sempre chamará Constança de ‘noiva’, inclusive em conhecido poema com este título, mesmo não tendo jamais ocorrido a oficialização dos laços), como é o caso do seguinte soneto constante do livro Pastoral aos Crentes do Amor e da Morte:

Era noite de lua na minh’alma
Quando surgiste pela vez primeira:
Em cada estrela, pelo azul em calma,
Florescia uma flor de laranjeira. 

A esperança entreabria a verde palma
Ante os meus olhos, tépida, fagueira,
Como um aroma que inebria e acalma,
Romaria de amor, doce romeira!

E era um jardim de lírios. Suavemente
Sorriu-me a tua boca enamorada,
Como as flores que são como tu és. 

 – “Em que pensas?” – disseste, a voz tremente.
 – “Senhora, penso que serás fanada
Como este lírio que te atiro aos pés!”

            Ainda no referido livro temos, como se disse, outros poemas em que Alphonsus, em termos de alta poesia, confere a condição de musa a Constança. Assim, citemos a título de encerramento este belo soneto:

Quiseras ser a Laura de Petrarca
E ter o nome engrinaldado em oiro…
Sentir-se a branca, etérea, sublime arca
Adonde poisaria o amor vindoiro…

Beatriz que Dante, o sempiterno, marca
Com o gênio, e do céu faz o mor tesoiro…
Natércia que Camões, vencendo a Parca,
Imortaliza pelo Tejo e Doiro…

Quiseras ser qualquer das três, ou ainda
Essa que tem pra nós memória infinda,
Bucólica Marília de Dirceu…

Mas se eles eram tudo, e eu não sou nada,
Nenhuma foi, como tu foste, amada,
Nenhum deles na terra amou como eu!

Afonso Henriques Neto
Neto do Poeta Alphonsus de Guimaraens
Professor da Universidade Federal Fluminense
Autor da obra A Tulipa Azul do Sonho ( Constança, a musa de Alphonsus de Guimaraens) https://7letras.com.br/livro/a-tulipa-azul-do-sonho/

Retrato de Alphonsus de Guimaraens - Acervo Museu Casa Alphonsus de Guimaraens
Retrato de Alphonsus de Guimaraens - Acervo do Museu Casa Alphonsus de Guimaraens

Constança, a musa de Alphonsus de Guimaraens

       Constança da Silva Guimarães, filha mais nova do escritor Bernardo Guimarães, nasceu em Ouro Preto, MG, em 11 de novembro de 1871. Faleceu na mesma cidade em 28 de dezembro de 1888, logo após completar 17 anos de idade, vítima da tuberculose.

        Nos dois últimos anos de vida, Constança teve um relacionamento amoroso com um primo, Afonso Henriques da Costa Guimarães, que viria se tornar o conhecido poeta simbolista Alphonsus de Guimaraens (Afonso Henriques só adotará esse pseudônimo literário a partir de 1894). A prematura morte de Constança irá abrir uma ferida profunda na alma do jovem poeta. No dizer de Angelo Oswaldo de Araújo Santos, “na poesia brasileira não há outro idílio, nem outro drama, comparáveis a essa brutal separação e à sagração da amada morta como musa”. Na realidade, a obra de Alphonsus de Guimaraens ficará por sempre marcada pela presença dessa eterna musa, principalmente nos livros Dona Mística, Câmara Ardente (ambos publicados em 1899) e Pastoral aos Crentes do Amor e da Morte, publicado postumamente em 1923 (Alphonsus morrerá em 1921, dias antes de completar 51 anos de idade).

          A partir da precoce morte de Constança, poder-se-ia imaginar que o sentimento amoroso que Alphonsus devotava à prima se evanesceria de modo paulatino, deixando mais à frente apenas alguma mágoa em esparsas e longínquas recordações. O que aconteceu foi justo o contrário. Uma paixão considerada por todos os familiares e amigos como pertencente às ilusões da adolescência, crescerá e se transmudará em um sólido amor espiritualizado em Alphonsus de Guimaraens. E é bem certo que essa construção platônico-literária em Alphonsus sempre teve por base a intensa lembrança da inteligência e sensibilidade daquela moça formosa e de opiniões próprias, personalidade forte que marcou de modo definitivo o espírito do poeta. Desse modo, a ideia de haver perdido um tesouro insubstituível acabou por ser o solo propício para que se tecesse a idealização. O poeta exprimirá em um soneto do livro Dona Mística essa sublimação, essa ‘desmaterialização’ da morta amada:

Hei de sempre adorá-la, hei de querê-la,
E não por ser mulher, mas como imagem:
Sempre a seus pés, sem me cansar de vê-la,
Como quem segue atrás de uma miragem.

           E mais de vinte anos após o falecimento de Constança, o poeta ainda escreveria poemas de rara beleza dedicados à memória da noiva adolescente (pois Alphonsus sempre chamará Constança de ‘noiva’, inclusive em conhecido poema com este título, mesmo não tendo jamais ocorrido a oficialização dos laços), como é o caso do seguinte soneto constante do livro Pastoral aos Crentes do Amor e da Morte:

Era noite de lua na minh’alma
Quando surgiste pela vez primeira:
Em cada estrela, pelo azul em calma,
Florescia uma flor de laranjeira. 

A esperança entreabria a verde palma
Ante os meus olhos, tépida, fagueira,
Como um aroma que inebria e acalma,
Romaria de amor, doce romeira!

E era um jardim de lírios. Suavemente
Sorriu-me a tua boca enamorada,
Como as flores que são como tu és. 

 – “Em que pensas?” – disseste, a voz tremente.
 – “Senhora, penso que serás fanada
Como este lírio que te atiro aos pés!”

            Ainda no referido livro temos, como se disse, outros poemas em que Alphonsus, em termos de alta poesia, confere a condição de musa a Constança. Assim, citemos a título de encerramento este belo soneto:

Quiseras ser a Laura de Petrarca
E ter o nome engrinaldado em oiro…
Sentir-se a branca, etérea, sublime arca
Adonde poisaria o amor vindoiro…

Beatriz que Dante, o sempiterno, marca
Com o gênio, e do céu faz o mor tesoiro…
Natércia que Camões, vencendo a Parca,
Imortaliza pelo Tejo e Doiro…

Quiseras ser qualquer das três, ou ainda
Essa que tem pra nós memória infinda,
Bucólica Marília de Dirceu…

Mas se eles eram tudo, e eu não sou nada,
Nenhuma foi, como tu foste, amada,
Nenhum deles na terra amou como eu!

Afonso Henriques Neto
Neto do Poeta Alphonsus de Guimaraens
Professor da Universidade Federal Fluminense
Autor da obra A Tulipa Azul do Sonho ( Constança, a musa de Alphonsus de Guimaraens) https://7letras.com.br/livro/a-tulipa-azul-do-sonho/

Retrato de Alphonsus de Guimaraens - Acervo Museu Casa Alphonsus de Guimaraens
Retrato de Alphonsus de Guimaraens - Acervo do Museu Casa Alphonsus de Guimaraens